domingo, outubro 27, 2013

Os Goebbels do Aborto Ortográfico

Joseph Goebbels, Ministro da Propaganda do III Reich, dizia que se contarmos uma grande mentira e a repetirmos muitas vezes, as pessoas acabam por achar que é verdade.

Isto aplica-se a muita coisa na política portuguesa, mas em nada se aplica melhor do que na questão do Aborto Ortográfico de 1990.

Os Acordistas - pessoas que defendem o AO90 e que, em 99% dos casos, lucram com ele ao dar "acções de formação" ou ao escrever livrinhos - têm sido aqueles que mais vezes têm repetido mentiras em torno do AO90, mentiras que repetem tantas vezes, usando os media, que algumas pessoas já acham mesmo que são verdade.
Entre essas mentiras, eis as mais comuns:

- O Acordo está em vigor.
- O Acordo unifica e promove a Língua Portuguesa no Mundo.
- O Acordo será aplicado em Portugal em 2015.

A primeira mentira já foi desmentida inúmeras vezes por vários juristas e professores de Direito. Um desses professores é, curiosamente, o actual Provedor de Justiça. Quem continua a achar que o Acordo vigora legalmente ou anda a dormir ou é estúpido.

A segunda mentira já foi desmascarada pelos factos. Nada estraga mais uma mentira que a vinda a lume dos factos que a denunciam. A prova é que não só o Português não está em afirmação no Mundo, como os efeitos são os contrários. Onde antes havia solidez de conteúdos, agora há mixórdia ortográfica. Onde antes se podia escolher uma norma ortográfica precisa, agora opta-se por uma salgalhada. E claro, os únicos a beneficiar com isto são os brasileiros porque as empresas não-lusófonas, à falta de regras claras, optam pela solução mais barata. E essa é a de simplesmente verter tudo para brasileiro - porque contratar um brasileiro é mais barato - e impingir essas versões aos restantes países de Língua Portuguesa que usam o Português de forma completamente diferente. Mesmo àqueles que não usam o AO90, ou seja, todos os países da CPLP com excepção de Portugal e Brasil. Mesmo àqueles que nem sequer o ratificaram, como Angola e Moçambique.
Quanto à unificação...bem, essa é logo desmentida pelo próprio texto do Acordo, nem é preciso dizer mais nada.

A terceira mentira é a mais recente.
Ainda hoje a Lusa - arauta do Acordismo e dos disparates a que ele dá azo - pôs a circular uma notícia vinda a propósito da II Conferência Internacional sobre o Futuro da Língua Portuguesa no Sistema Mundial. Nessa notícia havia dois entrevistados especiais, escolhidos a dedo, claro.
O primeiro é Malaca Casteleiro, autor do Acordo, afastado do Instituto da Academia de Ciências de Lisboa a que presidia.
A segunda é Ana Paula Laborinho, presidente do Instituto Camões.

Quanto ao que Malaca diz, enfim, só lhe dá crédito quem for parvo. Senão vejamos.
Fevereiro de 2008: "É que isto não é uma questão linguística, é uma questão política".
Outubro de 2013: "O acordo tem duas componentes, uma é linguística e a outra é política".

Afinal, para Casteleiro, aquilo que até aqui era uma questão meramente política, afinal já tem uma componente linguística. O que é curioso, porque essa componente linguística foi chumbada por TODOS os pareceres emitidos sobre o assunto...à excepção daquele emitido por quem? Pelo próprio Malaca Casteleiro.

Quanto ao que diz Ana Paula Laborinho, é curioso. Trata-se de alguém que, em Maio deste ano, dizia que era possível ter de rever o AO90. E que agora categoricamente diz que "O AO90 entra em vigor em Portugal em 2015" porque, afirma, o AO90 já está em vigor (novamente a mentira).
Como é que a senhora afere que o AO90 está em vigor? Através de dois indicadores: o sistema de ensino e a comunicação social.

Ou seja, para Ana Paula Laborinho, a Língua Portuguesa só existe nas escolas e na teleVISÃO que, como é óbvio, é o meio por excelência da veiculação da ortografia. (E nos jornais, mas convém não chamar a atenção para o facto de os jornais que mais leitores têm, não o aplicarem. Sobre isso, veja-se o meu post anterior).
Nas escolas, o AO90 é também aplicado. Por coacção. Assim é fácil fazer vigorar tudo. 
"Tenho de usar isto, porquê?" 
"Porque sim. Porque eu mando e se não o fizeres, rua". 
Assim também eu.

Quanto a isso de autores e livros, isso é coisa do passado. Deus livre a Língua Portuguesa de estar dependente daqueles que a trabalham. O que é que interessa que 99% dos autores Portugueses se recusem a escrever com o Acordo, seja nos seus livros seja em jornais? Nada. O que é que interessa que o cidadão comum se recuse a usar o Acordo no dia-a-dia? Nada.
Para a Sra. Laborinho, o AO90 vive na comunicação social (que, como é sabido, é um sítio onde a Língua Portuguesa é muitíssimo bem tratada) e nas escolas.

Mas porquê perder tempo com Ana Paula Laborinho? Esta senhora é daquelas cujo sonho é fazer do Português uma Língua de trabalho da ONU...é daquelas que acha que é a ortografia que impede que isso aconteça. Porque, como é óbvio, o Inglês e o Francês só possuem uma única ortografia e é por isso que são Línguas de trabalho da ONU.
Ãh?
O quê?
Não? O Inglês e o Francês têm mais que uma ortografia? Mas são Línguas de trabalho da ONU...certamente só o podem ser quando tiverem uma ortografia única.
Então mas...
Não?
Bom, está bem. 
Afinal parece que isso da ortografia não tem nada a ver com a escolha de Línguas para Língua de trabalho da ONU.


Entretanto, no meio destas mentiras Acordistas todas, os nossos jornais "esquecem-se" de dar outras informações adicionais. Como, por exemplo, que o Senado Federal do Brasil criou uma Comissão para REVER o texto do AO90. Que a Senadora Ana Amélia, autora do projecto-lei que levou Dilma Rousseff a adiar o AO90 no Brasil para 2016, disse ainda, e cito (respeitando a ortografia brasileira):

"Percebo que existe uma certa resistência bastante visível dos portugueses. Não só em Portugal, mas dos outros países de língua portuguesa em relação a esta questão. Então, eu penso que é preciso fazer um trabalho novamente de examinar, do ponto de vista diplomático, do ponto de vista da própria língua com a academia, com as universidades, com os professores da língua portuguesa não só no Brasil, mas nos outros países, para saber se de fato este acordo é válido, se deve ser feito e assim por diante. Então, acho que nós temos esse trabalho para fazer agora."

Daqui extrai-se duas coisas importantes: 
Primeira - os Senadores brasileiros estão mais conscientes da realidade portuguesa do que a presidente do Instituto Camões; 
Segunda - os Senadores brasileiros querem reabrir o debate sobre o AO e levá-lo onde ele devia ter ido em 1990: aos utentes e profissionais da língua. E isto, claro, significa uma coisa simples: o AO90 é para extinguir.


Mas para Casteleiro e Laborinho, o importante é continuar a seguir a estratégia de Goebbels: mentir, mentir, mentir, até ver se a mentira pega.

Goebbels deu-se mal.
Estes dois pares de jarras, provavelmente, também se darão. 

Mesmo estando em Portugal.

5 comentários:

Cristiano Camacho disse...
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
Cristiano Camacho disse...

Texto bom e bem fundamentado. Só um reparo e não me leve a mal, mas a forma do verbo acabar, no primeiro parágrafo está no passado e não no futuro, como seria mais correcta. Obrigado pela atenção.

DBS disse...

Obrigado pela chamada de atenção, Cristiano.
Na verdade o que deveria lá estar era "acabam". Corrigido.

Unknown disse...

Muito bem explicado e só é pena que sejamos nós os únicos a ver essas coisas. É triste notar que são os outros países a lutar pela língua portuguesa em vez de serem os portugueses, os responsáveis políticos, e fazer esse trabalho. Como em tudo, mandam as grandes corporações e interesses comerciais em detrimento dos que utilizam e vivem com a língua.

Marcos Pinho de Escobar disse...

Excelente texto. Apenas discordo da referência ao Doutor Goebbels. A recomendação de mentir até que a mentira passe a ser verdade e de Voltaire, "pai" de tantos "iluminados".