segunda-feira, agosto 06, 2012

O Futebol da Ortografia

A questão do Aborto Ortográfico tem gerado um certo clima de mau-estar entre Portugal e Brasil que não existia antes de se terem lembrado de ressuscitar a besta. Brasileiros acusam Portugueses, Portugueses acusam Brasileiros. É um chutar de bola de um lado para o outro do Atlântico, como se de um jogo de futebol - desporto apreciado de forma "unificada" em ambos os Países - se tratasse.
Fui chamado à atenção para este artigo da GLOBO: "As dissonâncias da língua: Oposição ao acordo ortográfico volta à tona em Portugal e cria temores de que a adoção das novas regras não seja unificada" (sic)

Ora bem, há alguns comentários que me apraz fazer (respeitarei a ortografia da notícia sempre que a citar como, aliás, mandam as regras da citação):

1. Quanto ao conteúdo da notícia. Aqui denota-se um facciosismo óbvio, ou não fosse o texto de uma grande empresa brasileira com interesses também em Portugal. 
A forma como todo o processo de imposição do AO está a ser levada a cabo é completamente obliterada. Repete-se simplesmente a lenga-lenga do costume (foi assinado em 1990 por todos os países da CPLP bla bla bla) e pronto. Não há UMA linha que refira os vários pareceres técnicos sobre o AO que, pelo menos em Portugal, foram todos negativos. 
Mas descreve a resistência quase que como fruto da mesma "teimosia lusitana"  que manteve por cá as consoantes com valor diacrítico (cfr. nota explicativa anexa ao AO onde é esta a explicação "científica" para a manutenção das consoantes "mudas".)
Apontam como paladino dessa resistência o Dr. Vasco Graça Moura, porque foi dos poucos homens com poderes numa instituição de interesse público que, até hoje, teve coragem de agir de acordo com aquilo em que acredita (por oposição à atitude dos deputados que agem segundo ordens do partido). 
Ignoraram completamente todo e qualquer aspecto legal relativamente à vigência do AO, à sua aprovação, etc. Sobre isso, zero.
Enfim. Já estamos habituados a este tipo de atitude por parte de quem não tem argumentos científicos para justificar uma posição ou está a agir de má fé.

2.  Diz depois a notícia: "No Brasil, o Ministério da Educação (MEC) informou que está ciente das resistências à entrada em vigor do acordo em Portugal, mas aposta que é possível contorná-las por meio do diálogo. O MEC entende que um eventual recuo português em relação ao acordo seria um fato inédito e um incidente diplomático de razoável proporção, uma vez que Portugal aderiu ao acordo negociado no âmbito da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), formada por oito Estados. " (sic). 
Pois bem. E onde está esse diálogo? Alguém já o viu? Se o virem, avisem! É que o Ministro Nuno Crato deve estar à espera dele no seu gabinete.
Como é óbvio não há vontade nenhuma por parte do Governo do Brasil em dialogar com Portugal. Ou não teria esse mesmo Governo, supostamente, pressionado o anterior Governo português a avançar rapidamente com o AO, o que obedientemente Sócrates fez, ordenando depois que Cavaco Silva se despachasse a promulgar o mesmo. É que aqui joga-se o jogo da influência internacional. 
O Brasil é uma economia em desenvolvimento no presente (sim, porque eu estou certo que o crescimento tão rápido e pouco sustentado do Brasil que se verifica actualmente, qual bolha, rebentará mais cedo ou mais tarde. Mas isso fica para outra altura). Este quer, a toda a força, afirmar-se no Mundo (ambiciona um lugar no Conselho de Segurança da ONU, por exemplo). OK. É uma ambição legítima (como seria a de Portugal, caso tivesse dinheiro para isso). 
Só que o Brasil precisa da influência de Portugal para o conseguir. É uma coisa que custa a engolir a alguns governantes brasileiros, mas o peso de mais de 1000 anos de História de Portugal ainda é superior, na política internacional, aos nem 200 anos do Brasil.
Só assim se entende que o Brasil possa achar que um recuo relativamente a um AO - que impõe, de forma disfarçada, a um país com mais de 1000 anos, uma reforma ortográfica baseada nas regras que aquele país, para si próprio, na sua caminhada história individual, criou em 1943 - pode consubstanciar um incidente diplomático de razoável proporção.
E mais. Como ousa o MEC afirmar tal coisa quando a raiz da divergência ortográfica entre Portugal e Brasil foi criada por este último? O pecado original ortográfico adveio do Brasil. Foi o Brasil que, mal entrou no século XX, decidiu que estava na altura de pôr fim à ortografia vigente de então - aquela de raiz etimológica que vigorava também em Portugal - e criar uma nova ortografia mais ajustada à evolução que LÁ se havia verificado na Língua.
Sim. Mas não só. Se o Brasil se tivesse limitado a fazer isso, pronto. Tudo bem. Nós por cá também fizemos uma reforma ortográfica própria em 1911 com vista à legislação de uma regra ortográfica única e "simplificada" para ser mais facilmente entendida por todos aqueles que iam começar a ser alfabetizados então e que eram uma faixa considerável da população.
Foi só nos anos 30 e 40 que surgiu a ideia peregrina de um "Acordo Ortográfico". Este veio materializar-se na Convenção Ortográfica Luso-Brasileira de 1945 (ou "Acordo Ortográfico de 1945"). O AO45 é aquele que hoje vigora em Portugal. Este texto que estão a ler está redigido segundo as regras desse Acordo Luso-Brasileiro.
Então mas se está, como é que ainda há divergência ortográfica? Lá está. Há porque O BRASIL, após ter adoptado o AO45 decidiu "desadoptá-lo".
Oi?
Pois é. Aquilo que o MEC teme tanto que possa acontecer por parte de Portugal com o seu AO90 foi precisamente aquilo que o Brasil fez com o AO45. O Brasil assinou um Tratado Internacional e depois rasgou-o de forma unilateral. Alguém morreu por isso? Não. Ninguém. Houve alguma "crise diplomática de razoáveis proporções"? Não. Se Portugal "desadoptar" o AO90 só estará a fazer o mesmo que o Brasil com o AO45: quando viu que este não trazia benefício nenhum à Língua, recuou.
Nós cá continuámos a entender lindamente o que os Brasileiros escrevem, tal como eles entendem o que nós escrevemos. Com a excepção daquelas palavras que são diferentes em ambos os países. E que, vejam lá bem!, vão continuar a ser (sendo que ainda haverá NOVAS palavras diferentes graças a este "Acordo Unificador"). Sim, porque o AO90 só "unificaria" a ortografia. Não há "unificação" da fonética. Nem da semântica. Que no fundo é aquilo que verdadeiramente separa o Português do "Brasileiro".
Os Portugueses estão-se nas tintas para a forma como os Brasileiros usam o Português, tal como os Brasileiros se devem estar nas tintas para como nós o usamos. A Língua é de todos. Nós deixámos a nossa Língua nos territórios do Império. A partir do momento em que o Império ruiu, os povos que lá ficaram tornaram-se livres de fazer dela o que bem entendem. Não têm é o direito de tentar impor o resultado dessa transformação aos outros povos que partilham a mesma matriz linguística. Seria o mesmo que os franceses agora irem exigir aos italianos que corrigissem a sua língua e ortografia, só porque ambas se basearam no Latim deixado pelo Império Romano.

Puxa o artigo depois o argumento da CPLP. O AO90, dizem, foi negociado "no âmbito da CPLP". Tretas. Toda a gente sabe que não foi. A HISTÓRIA mostra-nos que não foi. 
O AO90 foi inventado por umas bestas gananciosas da Academia de Ciências de Portugal que queriam vender dicionários e foi proposto ao Brasil que, claro, o aceitou dado o conteúdo de tal reforma. Se o AO90 fosse para fazer o Brasil cumprir o AO45 este nunca teria sido aceite pelos líderes de Vera Cruz. A "CPLP" no AO90 significa "Portugal e Brasil". Todos sabem que os Países Africanos não foram tidos nem achados no assunto. Nem Macau. Nem Timor-Leste que, na altura, nem a independência tinha conseguido ainda. 
Nos Países da CPLP, só Portugal e Brasil é que andam a brincar às reformas ortográficas. Nenhum dos outros países "ratificantes" mexeu ainda UM dedo para aplicar esta disparatada reforma. E os países que não ratificaram - Angola e Moçambique - já disseram que primeiro é preciso estudar o impacto do mesmo e ter em consideração as especificidades linguísticas e ortográficas dos respectivos países. Ou seja, disseram que o AO não lhes serve.

3. Os comentários do Secretário de Estado da Cultura, Francisco José Viegas, são reproduzidos, mostrando claramente a inépcia do mesmo para o cargo. Não é possível confundir "Acordo Ortográfico" Com "Vocabulário Ortográfico Comum". A única coisa que há se semelhante entre ambos é a existência da palavra "ortográfico". O senhor meteu a pata na poça e quando foi repreendido por sugerir que se poderia "corrigir o AO" (algo que, juridicamente nem é possível porque o texto do Tratado é estanque desde 1990) veio tentar dar o dito por não dito. É inapto para as funções que ocupa. E é cobarde. Não sei qual destes aspectos será pior.

4. Escreve-se depois isto "— A língua portuguesa tem numerosas palavras com diferença de timbre, mas nem por isso os portugueses têm um artifício gráfico para mostrar essa diferença. É um argumento furado — diz Bechara."
É...só que os especialistas brasileiros percebem TANTO de fonética portuguesa como eu de física quântica. Senão veja-se o que este reputado Professor brasileiro - Ernani Pimentel - diz sobre a forma como em Portugal se pronunciam as palavras "caracteres", "dicção" e "corrupto".

5. Por fim uma palavrinha relativa aos comentários que várias pessoas deixaram na notícia. Alguns deles são verdadeiramente PAVOROSOS. Veja-se por exemplo o comentário deste "tuga moderninho":
Por favor, não confundam uma minoria de xenófobos e ignorantes em Portugal com "resistência" generalizada à aplicação do AO em Portugal.
(...)
Só para exemplificar mais, existe um punhado taralhocos que está a tentar há mais de dois anos juntar 35 mil assinaturas para pedir a revogação do AO em Portugal. Ainda não conseguiram, e nem vão conseguir!

Por favor, não amplifiquem no Brasil aquilo que aqui em Portugal já ninguém quer saber. Nós temos os nossos encardidos e vcs teem os vossos encardidos, Mas, por favor, não digam que os encardidos são a voz de um povo. Não são.


Abraço fraterno e em Português desde Lisboa para todos os brasileiros.

Esta triste alminha chega ao ponto de dizer aos brasileiros que não há rejeição nenhuma do AO por parte dos portugueses e que só "uma minoria de xenófobos e ignorantes" é que resiste. São os "encardidos".
É portanto "xenófobo e ignorante" todo e qualquer especialista que alguma vez emitiu um parecer sobre o AO (porque estes pareceres técnicos foram TODOS contra a adopção do AO)
É "xenófobo e ignorante" todo e qualquer autor que recuse aplicar o AO nos seus livros porque compreende as suas implicações na Língua Portuguesa, já que esta é, assim só por acaso, a sua ferramenta de trabalho. 
É "xenófobo e ignorante" qualquer português comum que percebe a estupidez que é o AO e as falsas premissas em que assenta ("unificação" de uma Língua que não é possível unificar, primado da fonética quando a fonética não é sequer homogénea dentro de um País com 10 milhões de habitantes quanto mais num com 200 milhões como o Brasil, etc.)

Enfim. Pelos vistos somos um País de "xenófobos e ignorantes". Somos todos uns "encardidos".
 Em contrapartida os responsáveis políticos que levam este AO avante (e que, assim só por acaso, também levaram o País à bancarrota) são, por maioria de razão, almas iluminadas. Autênticos seres impolutos.

Ora bem, onde é que eu assino para ser Governado por um homem das cavernas? 
É que com "iluminados impolutos" destes, prefiro ser governado por gente do paleolítico.
Os Acordistas estão a tentar transformar a questão do Aborto Ortográfico numa guerra entre Portugal e Brasil. Um jogo de futebol para ver quem tem a Língua "mais forte". Só que ainda não perceberam que isto não tem nada que ver com a ortografia. Os Portugueses não criticam o Aborto Ortográfico SÓ porque ele impõe a norma brasileira. Criticam porque essa imposição é contra-natura, cientificamente injustificada e socialmente patética. Tal como os Brasileiros criticam o AO pelos mesmos motivos.
Os Portugueses que querem preservar a sua Língua estão ao lado dos Brasileiros que querem o mesmo. Não há um jogo "Portugueses Contra Brasileiros". O que na verdade existe é um jogo entre a racionalidade ortográfica Luso-Brasileira e a Ganância Editorial e Empresarial Luso-Brasileira.

Ah. E quanto aos "taralhocos" da ILCAO que "não conseguiram nem vão conseguir" reunir as assinaturas (a criatura supra citada julgará, certamente, que as assinaturas para uma Iniciativa Legislativa se reúnem como nas petições online - com um simples click. Se assim fosse a ILCAO já tinha tido, provavelmente, um milhão de assinaturas)...e que tal provar a este ignóbil ser, que o "taralhoco" é ele?

Se ainda não assinou a Iniciativa Legislativa de Cidadãos basta ir ao site da ILCAO e optar por uma das duas vias: 1- imprimir o formulário adequado, assinar e enviar pelo correio; ou 2- imprimir o formulário adequado, assinar, digitalizar (vulgo "fazer scan"), e enviar por correio electrónico. Só estes dois métodos são possíveis porque a assinatura tem de ser feita no papel. A forma de envio do papel assinado é que pode ser feita por uma de duas vias.

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