segunda-feira, agosto 20, 2012

Um Mundo, uma Ortografia...

Este pequeno texto visa reflectir sobre uma comum palermice propagada pelos Acordistas (isto é, aqueles que apoiam o "Acordo" "Ortográfico") e que está visada no meu boneco de perfil.

Não vou entrar em grandes dissertações linguísticas aqui. Primeiro porque não sou linguista e, como tal, não me sinto academicamente qualificado para discorrer sobre o assunto. Segundo porque, sobre isso, já o Professor António Emiliano se pronunciou num artigo da Revista Autor, publicado a 1 de Agosto de 2008 (o texto encontra-se disponível em EMILIANO, ANTÓNIO, Apologia do Desacordo Ortográfico, Babel, 2010, pp.101-110).

Mas vou entrar num processo de raciocínio ao alcance de qualquer pessoa cujos neurónios não estejam mortos e/ou vendidos.

Dizem os Acordistas e outros asnos (entre os quais se encontra o actual Secretário de Estado da Cultura, Francisco José Viegas), sobre a irrelevância das alterações na ortografia portuguesa:

"A Ortografia é uma simples convenção. É meramente artificial."

Isto para defenderem que pouco importa que directo se escreva com ou sem "c"; que pouco importa que adopção se escreva com ou sem "p", etc etc ad infinitum. Para eles, o conjunto de letras que forma uma palavra, é irrelevante. Afinal é tudo artificial. Uma pessoa aprende que "direto" se lê "diréto", memoriza isso, e passará a assimilar sempre a imagem do conjunto de letras "d-i-r-e-t-o" à palavra "directo". Pronto. É tudo uma questão de empinanço.
Seguindo esta lógica eu pergunto: Então porque raio há várias ortografias em várias línguas? Se a ortografia é um conjunto de rabiscos convencionados simplesmente para que alguém fale, e à fala subordinado, porque não tem o Mundo um ÚNICO sistema ortográfico?

行动

Os caracteres supra escritos significam "acção" em Chinês. Escolhi o Chinês pelos motivos óbvios: é a língua com o maior número de falantes. Algo que é muito querido aos Acordistas para justificar a subordinação de uma ortografia a outra (no nosso caso, do Português ao Brasileiro).

Quando nós, portugueses, olhamos para os caracteres 行动 eles não nos dizem nada. Porquê? Porque não é o nosso sistema ortográfico. Não faz parte da nossa história ortográfica. Não faz parte da nossa cultura. Não o aprendemos. E nunca ninguém nos mandou memorizar, desde crianças, que 行动 se lê "acção".
A verdade é que, em Chinês, 行动 lê-se "Xíngdòng" e não "acção". Mas isso importa? Segundo a lógica Acordista da irrelevância da tradição e lógica ortográfica, não.
Ora bem, então porque não passa o Mundo inteiro a escrever 行动 sempre que quiser grafar a sua palavra falada "acção"? Um Inglês diria "action" mas escreveria 行动. Um Alemão "aktion" e escreveria também 行动. Um Português "acção" e grafaria 行动.

Se a ortografia é artificial, porque não escreve todo o Mundo da mesma maneira? Até podíamos falar línguas diferentes, mas escreveríamos todos usando o mesmo sistema de representação gráfica das palavras. Isso até permitiria a um Português escrever a um chinês e vise-versa, sem que nenhum soubesse falar a língua do outro e ainda assim conseguir-nos-íamos entender. Bastaria saber escrever segundo a "ortografia mundial", igual para todo o Mundo! Que maravilha! Que moderno!

Pois. Absurdo não é? Só que é exactamente o mesmo princípio usado na defesa Acordista da irrelevância da supressão de consoantes com valor diacrítico. "acção" ou "ação" lê-se tudo da mesma maneira. Lê-se "áção" porque sim e acabou. Ora, por essa lógica, se ensinarem que 行动 se lê "áção", usando o mesmo argumento - "porque sim" - qual é a diferença?

"Ah, mas nós não utilizamos esse sistema de caracteres. Não é essa a nossa ortografia. Isso não é Português". Não é? É tão Português (Europeu) "ação" como "行动".

Pois é...se calhar a ortografia afinal não é assim tão artificial. Afinal não é uma mera convenção. Se calhar a ortografia é um legado histórico que resulta da evolução cultural de um Povo.

Bolas, lá utilizei eu quatro palavras demoníacas para os Acordistas. "legado histórico" e "evolução cultural". Aos Acordistas, peço perdão por isso. É melhor irem banhar-se rapidamente numa das verborreias literárias da Edite Estrela ou do Malaca Casteleiro...não vão os vossos neurónios despertar de repente e deixarem o estado de morte clínica em que se encontram ante o AO90.

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